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Ciclo decadente da mineração vai gerar mais tragédias, indica estudo

Ciclo decadente da mineração vai gerar mais tragédias, indica estudo

Segundo pesquisador, depois do boom do preço das commodities entre 2000 e 2010, setor de mineração tem negligenciado a segurança para manter os mesmos ganhos do passado

“É igual terremoto. Não é uma questão de se (ocorrerão novos rompimentos de barragem), mas quando, e onde”, afirma David Chambers, geólogo do Centro de Ciência em Participação Pública, nos Estados Unidos, que há décadas investiga colapsos de barreiras pelo mundo. Ele é coautor do estudo In the Dark Shadow of the Supercycle Tailings Failure Risk & Public Liability Reach All Time Highs (em tradução livre Na Sombra do Risco de Falha em Barragens de Rejeito durante o Superciclo Econômico & A Responsabilidade Pública Alcança o mais Alto Nível), publicado em 2017. Embasado em análises estatísticas, em bancos de dados internacionais e pareceres das grandes consultorias de mineração do mundo até 2015, Chambers afirma que são esperados trinta grandes tragédias em barragens pelo mundo entre 2016 e 2025.

A raiz do problema, segundo as correlações publicadas pelo cientista, não é técnica. A grande causa de existirem várias estruturas de rejeitos de mineração inseguras é econômica. “As falhas são impulsionadas pela economia, porque o custo é o principal responsável pelo projeto, pela construção, pela operação e pelo fechamento da barragem de rejeitos”, diz. Para o pesquisador, depois do boom do preço das commodities entre 2000 e 2010, onde os preços dos minérios atingiram picos inéditos, o setor tem negligenciado a segurança para manter os mesmos ganhos do passado, que não existem mais. Em 2015, o preço do minério do ferro atingiu o menor valor em dez anos (47 dólares a tonelada). Uma redução de 75% em relação ao preço da tonelada em 2011.

“Em um mercado global, que está sub-regulado, as minas onde as contas não fecham reduzem os custos, cortando sempre que possível, criando áreas marginalmente seguras.” Nestes casos, segundo o pesquisador, qualquer erro torna-se fatal. “Não há apetite dentro da indústria para assumir as reformas de prevenção de danos que não foram feitas mina a mina por várias décadas. A primeira prioridade do setor é a recuperação econômica e a redução da dívida, exigida pelos investidores.”

Os desastres anunciados de Mount Polley, no Canadá, em 2014, e o de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, são dois exemplos discutidos pelo estudioso. No caso da América do Norte, houve grandes danos ambientais na região da Colúmbia Britânica. O episódio é o maior desastre ambiental da história do Canadá. Em Minas Gerais, além do impacto no rio Doce, dezenove pessoas perderam a vida. O distrito de Bento Ribeiro foi destruído. Centenas de pessoas ficaram desabrigadas.

“A falta de aprendizado com as tragédias da mineração  não é exclusividade dos brasileiros”

O rompimento da barragem no Canadá, segundo Chambers, é emblemático. “O limite operacional da (barragem) estava sendo empurrado por uma construção mais íngreme do que o originalmente projetado. Quando isso se combinou a um erro de engenharia, a falha na detecção de uma camada de argila glacial sob a barragem, o resultado foi uma falha catastrófica na estrutura.” São características semelhantes às duas graves tragédias no Brasil, tanto a de 2015 quanto a de janeiro deste ano, em Brumadinho (MG).

No Fundão, alterações na estrutura da barragem, para receber mais rejeitos, também contribuíram para o desastre.
“As decisões técnicas e operacionais são levadas aos limites da segurança. De vez em quando, alguém excede involuntariamente este limite e ocorrem as falhas.” No caso de Brumadinho, que ainda está em apuração, informações indicam que a Vale, empresa dona da barragem, não estava com o sistema de monitoramento do local em dia.

 

A falta de aprendizado com as tragédias da mineração — que ocorrem há muitas décadas, mas ficaram mais frequentes por causa do boom econômico do setor — não é exclusividade dos brasileiros, segundo o estudo assinado por Chambers e Lindsay Bowker. “A indústria e os reguladores de minas do Canadá perderam uma grande oportunidade”. Segundo Chambers, desde que o governo da Colúmbia Britânica aprovou o relatório de Mount Polley, nenhuma das recomendações previstas no documento foram integralmente implementadas. Apenas mais recentemente, depois de muita pressão social, o governo local colocou em prática ações para aumentar a preservação ambiental e diminuir o lobby das mineradoras.

Estudo internacional mostra que a busca pelo lucro do setor acaba negligenciado o investimento em segurança

As entidades do setor, segundo Chambers, não reconhecem que o “superciclo” econômico foi uma época de empurrar com a barriga minas marginais com infraestruturas desvirtuadas do projeto original, como Mount Polley e Mariana.

De acordo com a Vale, empresa responsável pela barragem que ruiu em Brumadinho, o investimento em gestão de barragens cresceu 180% entre 2015 e 2019. Neste período, segundo a mineradora, os recursos usados para gerir os rejeitos da mineração saltaram de 92 milhões de reais para 256 milhões de reais. A mudança na forma de se montar a barragem, para tipos mais seguros, também continua em implementação e vai ser acelerada, segundo a mineradora. Em 2023, 70% da produção da empresa será a seco, ou seja, sem necessidade de barragem de rejeitos.

Questionada sobre a falta de segurança na escolha da localização do refeitório, que acabou destruído pela lama da barragem, a companhia afirmou que não havia impedimento legal para a construção das estruturas. A empresa não comentou diretamente o estudo internacional, que mostra que a busca pelo lucro do setor acaba negligenciado o investimento em segurança.

Fonte: Eduardo Geraque (Veja)